Quando assistimos a um filme ou lemos um artigo de crítica, frequentemente encontramos os termos narrativa, enredo e história. Muitas vezes, acabamos nos confundindo com o significado desses três termos. Para esclarecer essa questão, começaremos pela narrativa.
Segundo David Bordwell e Kristin Thompson, narrativa é:
“Podemos considerar uma narrativa como uma cadeia de eventos ligados por causa e efeito, ocorrendo no tempo e no espaço.”
Essa explicação é semelhante à que utilizei no Livro Manual do Roteiro – Syd Field, no texto Primeiro Ato com John Wick, para descrever o que é um roteiro:
“O roteiro é como um substantivo — é sobre uma pessoa, ou pessoas, num lugar, ou lugares, vivendo sua “coisa”. Todos os roteiros cumprem essa premissa básica. A pessoa é o personagem, e viver sua coisa é a ação.”
Dessa forma, podemos comparar a citação de narrativa com a de roteiro e fazer os seguintes paralelos:
A narrativa é como uma cadeia de eventos, e no roteiro essa cadeia de eventos corresponde ao personagem vivendo a sua “coisa”.
Consequentemente, no roteiro, o personagem vive a sua “coisa” no tempo e no espaço, assim como na narrativa. Na narrativa, esses eventos são ligados por causa e efeito; no roteiro, o viver a sua “coisa” do personagem consiste em eventos que têm uma causa e que, por sua vez, levam a um efeito.
Com esse paralelo estabelecido, vamos explicar o que é narrativa na prática. Repetindo a citação:
“Podemos considerar uma narrativa como uma cadeia de eventos ligados por causa e efeito, ocorrendo no tempo e no espaço.”
Por exemplo, “A Fuga das Galinhas – A Ameaça dos Nuggets” é um filme que apresenta eventos ligados por causa e efeito. Vamos demonstrar alguns eventos do início do filme.
Na sinopse, temos:
“Um grupo de galinhas destemidas se une para enfrentar uma nova ameaça: uma fazenda muito suspeita, com cheiro de fritura no ar.”
Para evitar confusões, farei um pequeno resumo dos eventos que vou citar. Molly, filha de Ginger, decide sair escondida da comunidade em que mora para se aventurar no mundo dos humanos. No entanto, ela é capturada junto com Frizzle e levada para uma fazenda “feliz”, que na verdade é um granjeiro/fábrica de nuggets.
Molly vai para a fazenda “feliz”:
Para ser uma narrativa, os eventos precisam ser ligados por causa e efeito. Como resultado de Molly ter sido levada para a fazenda “feliz”, Ginger, Rock e um grupo de galinhas foram atrás dela. Nesse caso, o efeito é a decisão das galinhas de resgatá-la, causado pela captura de Molly pelo granjeiro da fazenda “feliz”.
Ao contrário, caso Molly não estivesse saindo da comunidade, que também é uma causa, ela não iria parar no granjeiro (que também é um efeito de ela ter saído da comunidade).
Temos aqui o início do segundo ATO, caso não saiba o que é, visite Segundo Ato com Ford v Ferrari.
Exemplifiquei só uma causa e efeito de um evento no meio de vários. Esses eventos causados por causa e efeito é a narrativa. Se o grupo de galinhas fossem atrás de Molly sem ela ter ido para a fazenda “feliz”, não seria uma narrativa, pois esses efeitos e causas não estariam ligadas de forma cronológica. Alguns filmes conseguem subverter isso, mas é assunto para outro artigo.
Como pode ver na imagem acima, temos um resumo do que são história e enredo. O enredo é composto por “eventos explicitamente apresentados” e material não-diegético adicionado.
“O termo enredo é usado para descrever tudo que está presente de maneira visível e audível no filme a que assistimos.”
Uma característica particular do enredo é o material não-diegético adicionado. Mas o que é isso?
O material diegético são elementos que fazem parte da história e são percebidos pelos personagens, como diálogos, sons do ambiente e objetos visíveis.
Em contraste, o material não-diegético inclui elementos externos à história, percebidos apenas pelo espectador, como trilhas sonoras, efeitos sonoros, narração, créditos ou qualquer coisa que só o espectador pode perceber.
Esse exemplo é muito interessante, pois a narração está presente em vários filmes para ajudar na contação da história.
A narração é um material não-diegético, pois apenas nós, espectadores, a percebemos; os personagens não.
Portanto, o enredo é composto por eventos explicitamente apresentados e materiais não-diegéticos, ou seja, elementos que o personagem não pode perceber.
“O conjunto de todos os eventos numa narrativa, os que são explicitamente apresentados e os que são inferidos pelo espectador, constitui a história”
De modo geral, a história é a soma do que é explicitamente apresentado em tela, do material não-diegético e do que nós, espectadores, presumimos.
“Como espectadores, também fazemos outras coisas: normalmente, inferimos eventos que não foram explicitamente apresentados e reconhecemos a presença do material alheio ao mundo da história.”
Conforme a citação, inferimos eventos que não foram mostrados, mas só conseguimos presumir porque o filme nos mostrou um material diegético. Vamos exemplificar:
No filme *Smile*, o gato da protagonista Rose desaparece, e o enredo nos dá pistas com materiais diegéticos para presumirmos a situação, criando uma história na nossa cabeça.
Sim, estou removendo a voz passiva e adicionando palavras de transição para melhorar o fluxo do texto. Vou revisar e aprimorar ainda mais o trecho com isso em mente.
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Após a cena acima, a personagem olha para uma floresta densa enquanto uma música de suspense toca. O enredo não mostra explicitamente o que aconteceu com o gato, mas fornece pistas suficientes para inferirmos a situação. Nesse momento, presumimos: “o gato desapareceu na floresta densa” (pista do enredo).
No entanto, o filme faz você pensar um pouco mais, mostrando o que realmente aconteceu com o gato. O enredo nos apresenta uma cena onde Rose compra um trem de brinquedo para seu sobrinho. Quando o garoto abre a caixa…
ATENÇÃO: SPOILER
Dentro da caixa, o garoto encontra o gato morto. Essa revelação confirma nossas suspeitas, utilizando material explicitamente apresentado para esclarecer o destino do animal.
O garoto encontra o gato morto na caixa, e o enredo nos convida novamente a inferir: como o gato morreu? Foi a entidade demoníaca que acompanha Rose ou foi ela mesma, já que sabemos que está sofrendo com alucinações?
Percebeu que a alucinação também é uma pista do enredo para fazer com que o espectador presuma que Rose matou o gato por estar sofrendo com alucinações durante o filme? Não temos certeza, mas podemos inferir com base nas pistas do enredo.
Por fim, podemos concluir a diferença entre enredo e história do ponto de vista do cineasta. A história é a soma de todos os eventos ligados por causa e efeito. O cineasta escolhe mostrar esses eventos de forma direta (enredo) ou não, nos fazendo inferir (história).
Uma aplicação mais interessante de enredo e história ocorre em filmes de investigação/suspense, onde você passa o tempo todo inferindo e criando a própria história na sua cabeça junto aos investigadores. Ou seja, o enredo fornece pistas através de eventos explicitamente apresentados, e você vai investigando com elas.
Agora, convido você a assistir um filme que gosta e comentar abaixo o que você inferiu no filme, mostrando as pistas que o enredo explicitou.